Amordeperdicao.pt » 01/16/2018

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Crónicas

O Condes Morreu, Vivam os Reis

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Lisboa é uma boa cidade para se ir ao cinema. Não falo por falta de conhecimento de outras cidades, ou por simples apetência pelo centralismo da capital. A verdade, essa, é que Lisboa não é só a melhor cidade portuguesa neste campo, como é uma das melhores em termos europeus, o que a faz uma das melhores em termos mundiais.    É verdade que hoje o Paris é uma curiosidade e o Condes um restaurante de comida rápida. E então? O Tempo não é estático é os imobiliários não são nada sem pessoas. E essas, há muito que já não iam ao Condes. Há que aprender com a História e defender as salas que ainda existem. É graças a elas e a nós espectadores, que, repito, Lisboa é uma das melhores cidades mundiais para se ver cinema.

Existem cerca de 160 salas na Grande Lisboa. Destas, cerca de 140 estão agregadas a Centros Comerciais. Funcionam um pouco como os espectáculos para os casinos. Estes conduzem ao jogo, como a ida ao cinema conduz ao consumo. E então? As pessoas são soberanas na sua decisão, e se no último ano novas salas despontaram como cogumelos, de que o Cascais Vila e as Twin Towers são apenas dois bons exemplos, é porque há espectadores/clientes que as justificam. Se as pessoas querem fitas americanas a 5 euros, a escolha é delas. Importa registar que há a oferta, e que tem adesão. Se todos optassem por filmes de um anónimo paquistanês, dificilmente haveria tanto público.

A PT, via Lusomundo, domina o circuito, logo seguida pelo Paulo Branco, que se mantém na corrida com salas como o Saldanha. É ele quem tambem, subsidiado, mantém salas como o Ávila. Sirva o erário público para alguma coisa. Em salas como esta reside o quinhão que completa a oferta, com requinte, e que mostra que nem uma posição dominante como a da PT impede a concorrência. O Ávila, o Nimas, o S. Jorge, fornecem boas salas com um circuito alternativo complementar.

Preços mais baratos, filmes menos óbvios. Com público. Outro, talvez, menor, sem dúvida. Mas a oferta existe e as pessoas correspondem. Temos depois as salas com ciclos. O Cine 222, e o Loreto, que deixou a pornografia para enriquecer a oferta da capital. A cereja do bolo é a Cinemateca, com as suas três salas e edifício remodelado. Por aqui passam das fitas mais emblemáticas do Século XX. Menos concorrido mas indispensá veis para o conjunto e permissa desta crónica são os institutos estrangeiros, como o Cervantes, Goethe ou o Franco-Português. Ou a Videoteca, em Alcântara, que ajuda a promover não novas tendências mas sim novos talentos. De vez em quando, alguém se lembra de promover umas exibições ao ar livre, paraíso dos fumadores e dos aderentes às novidades, porque um ‘drive-in’ ou ‘seat-in’ é sempre diferente, mesmo se o filme é a «Música no Coração».

Até o facto do Olimpia passar filmes pornográficos com títulos que promovem um sorriso rasgado a quem esteja atento são um sinal positivo. Um sinal de que a oferta é alargada e que o público tem possibilidades de sair satisfeito.

As pessoas têm aderido ao cinema, às salas, aos filmes. A oferta é vasta e, mais importante, variada. Basta procurar, estar atento. Quem se queixar de que não há bons filmes em Portugal não vê que Lisboa é hoje uma cidade muito mais rica do que há 20 anos atrás em termos de oferta cinematográfica. Mesmo se antes havia o Condes. Porque se ele morreu, alguém o deixou morrer, e o velório não foi muito concorrido. Por isso, é importante reter a riqueza actual que Lisboa oferece neste campo. E fazer com que o problema de ver um bom filme seja apenas uma questão de escolha.